O jornalista Hamza Shaban do The Washington Post, especializado em economia, escreveu uma longa reportagem sobre quem poderia sair ganhando ou perdendo na “montanha russa” que o mercado de criptomoedas viveu nas últimas semanas.
Ele contou histórias como a de Brian Cardarella, 41 anos que investiu dezenas de milhares de dólares em Dogecoin no início de 2021. Poucos meses depois, viu a moeda disparar e descobriu que seu investimento ultrapassou US$ 1 milhão, fazendo dele um milionário.
Contudo, ao longo de duas semanas no mês de maio viu seus lucros caírem consideravelmente, quando o preço da criptomoeda-meme sofreu o mesmo impacto de ativos consolidados como bitcoin e ethereum.
Apesar de ver alguns zeros a menos na conta, Cardarella, fundador de uma empresa de consultoria de software, não vendeu e crê na recuperação do Dogecoin. “É uma montanha-russa emocional”, resumiu o morador de Boston, minimizando o fato de, além de emoções, bilhões de dólares surgiram e desapareceram nesse mundo desde o início do ano.
Um bom exemplo disso é a Dogecoin, cripto batizada em homenagem ao meme “doge” de Shiba Inu, subiu 10.000% este ano, de acordo com a Coindesk, site dedicado a monitorar criptomoedas.
O fato é que essas reviravoltas do mercado da criptografia estão causando preocupações crescentes dos órgãos financeiros reguladores em vários países. Na semana passada, a Comissão de Valores Mobiliários dos Estados Unidos emitiu um alerta aos investidores chamando o bitcoin de “investimento altamente especulativo”, o acusando de “falta de regulamentação” e “potencial de fraude ou manipulação”.
As criptomoedas, que agora já chegam a quase 10 mil variedades, são essencialmente ativos digitais que permitem às pessoas fazer transações financeiras pela internet. Elas são um desafio para os governos, pois rodam numa rede global de computadores que não estão sob o controle de um banco central ou empresa. A segurança é garantida pela manutenção de registros, que concede aos usuários a capacidade de certificar instantaneamente suas transações num registro público, sem nenhum intermediário na transação.
O jornalista do The Washington Post também fez uma profunda avaliação de como está o mercado, ouvindo especialistas. Nos últimos três meses, o valor total de todas as criptomoedas aumentou 40%, para cerca de US$ 2 trilhões.
Contudo, declarações do bilionário Elon Musk no programa ‘Saturday Night Live’ em 8 de maio, criticando as criptomoedas, além de novas investidas do governo chinês contra a mineração de tokens em seu território geraram medo em investidores. Em poucos dias, muita gente começou a negociar esses ativos digitais e o preço de várias criptomoedas despencou, numa média de 30%. Resultado? Um baque de mais de 1 trilhão no mercado.
Isso causou o ressurgimento das mesmas teorias que rondam esse mundo desde sua criação. Os estudos e tentativas de pelo menos uma dúzia de governos – com destaque para Estados Unidos e China – de emitir suas próprias moedas digitais apenas comprovam que essa tendência veio para ficar.
Segundo os especialistas, a facilidade de negociação dos tokens foi ampliada pelas condições econômicas e sociais da pandemia, que afastou as pessoas do entretenimento ao vivo e dos cassinos. Além disso, aplicativos como Robinhood e Coinbase oferecem uma série de ativos digitais para investir, as quais os usuários podem eventualmente converter em dinheiro.
Aposta arriscada
Nos Estados Unidos, viralizou um texto de Nick Maggiulli, diretor de operações da Ritholtz Wealth Management. Ele resumiu o crescimento astronômico para as pessoas dispostas a correr o risco nesse ecossistema. Se alguém usasse o valor das três parcelas do auxílio do governo e investisse o valor total em Dogecoin – comprando em abril e dezembro de 2020 e novamente em março deste ano – esse portfólio agora valeria aproximadamente US$ 500 mil.
“Quando você tem esse grande movimento de preços, começa a ver os amigos ganhando dinheiro, aí as pessoas têm esse medo de ficar de fora e querem fazer parte da emoção”, disse James Putra, vice-presidente de estratégia de produto da plataforma de negociação TradeStation Crypto. Ele avalia que a pandemia também deixou muita gente dentro que casa que passaram a se interessar pelo tema. “Pessoas que nunca pensavam em negociar agora estão falando comigo sobre médias móveis e padrões gráficos”, conta.
Fenômeno global
Angela Walch, professora da Escola de Direito da Universidade de St. Mary e pesquisadora associada do UCL Center for Blockchain Technologies, avalia que há uma confluência de fatores por trás da enxurrada de investidores amadores que agora mergulham no mercado desses ativos.
“Tivemos grandes eventos que abalaram o mundo, esta enorme pandemia global, pacotes de estímulo e muitos gastos do governo nos Estados Unidos e em outros lugares”, lembra. “O mundo está desmoronando, então aqui é o seu porto seguro. É como comprar um bilhete de loteria ou gastar o que for possível em Las Vegas. Você pode ganhar muito. Mas também tem um valor de entretenimento: a chance de ganhar muito”.
Esse fenômeno não está restrito aos EUA, a mania de cripto é global e muitos investidores veem nela uma chance de ganhar quantias que mudam vidas.
Aos 29 anos, Christopher Hansson, trabalhados na área varejista e estudante de direito que mora no sul da Suécia, vem colhendo os frutos de seus investimentos em criptografia. “Muitas pessoas ganharam quantias de dinheiro que mudaram suas vidas durante os primeiros estágios da internet, e eu diria que a criptomoeda é a internet 2.0”, relata.
Investidor desde 2017, Hansson colocou cerca de US$ 15 mil em vários tokens e viu o valor do seu portfólio crescer significativamente desde então. “Independência financeira – é claro que é um tiro no escuro, mas é um tiro”, disse ele. “Hoje eu moro no meu apartamento com meu cachorro. Com jardim e tudo de bom”.
Necessidade de regulação
Os recentes avisos da Comissão de Valores Mobiliários norte-americana (SEC, na sigla em inglês) sobre os perigos do bitcoin vieram acompanhados de cobranças por uma ação governamental mais vigorosa, estabelecendo um organismo federal com atribuição clara para supervisionar a nebulosa área regulatória da criptomoeda.
“Atualmente, as bolsas que negociam esses ativos criptográficos não têm uma estrutura regulatória, nem na SEC nem em nossa agência-irmã, a Comissão de Negociação de Commodities”, explica o presidente da SEC, Gary Gensler, ao Congresso ao participar de uma sessão sobre a regulamentação de criptomoedas. “No momento não há um regulador de mercado em relação a essas trocas de criptografia. Na verdade, não temos proteção contra fraude ou manipulação”.
Em outros países a abordagem tem sido menos diplomática. “Vou dizer de forma muito direta, mais uma vez: compre apenas se estiver preparado para perder todo o seu dinheiro”, sentencioi Andrew Bailey, presidente do Banco da Inglaterra.
Uma maior regulação do mercado cripto pode ser inevitável, agora que instituições financeiras de primeira grandeza, como JPMorgan Chase e Goldman Sachs acompanham de perto o mercado de ativos digitais e planejam para oferecer a seus clientes produtos financeiros baseados em criptografia.
“Existem dois conceitos muito diferentes: criar anonimato no blockchain e, ao mesmo tempo, ter uma moeda rastreável e regulamentada. Na minha opinião, são conceitos muito antiéticos”, assevera o consultor Alex Reffett, cofundador do East Paces Group, empresa de gestão de fortunas.
“O governo pode destruir as criptomoedas, se quiser”, avalia. “Mas as ideias que tornam as criptomoedas únicas e valiosas, pelo menos até certo ponto, dependem de zonas não regulamentadas”.